quinta-feira, 30 de junho de 2016

As tres leis da robótica



Regras de Satya Nadella para AI são bem diferentes das Três Leis da Robótica
Juliana Américo 29/06/2016 10h57 Inteligência Artificial Robôs 









As Três Leis da Robótica do escritor Isaac Asimov, por mais que sejam ficção, são o mais próximo que já chegamos de controlar o avanço dos robôs em uma tentativa de não destruírem a humanidade.

Em suas histórias, os robôs tinham que seguir três regras fundamentais:
  • 1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
  • 2ª Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.
  • 3ª Lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.
Mais tarde Asimov acrescentou a “Lei Zero”, que diz que “um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal”.

No entanto, com os recentes avanços na inteligência artificial, cientistas da computação e empresas de tecnologia estão começando a considerar seriamente as regras que realmente precisam ser determinada para nos proteger de robôs e da inteligência artificial.

O CEO da Microsoft, Satya Nadella, listou os seis "princípios e objetivos" que ele acredita que a pesquisa de AI deve seguir para manter a segurança da sociedade. Ao contrário de Asimov, que lista as regras que os robôs devem seguir, Nadella determina regras para a indústrias e cientistas que estão construindo os sistemas.

As regras são:
1.    A inteligência artificial deve ser projetada para ajudar a humanidade: Nadella diz que as máquinas que trabalham ao lado dos humanos devem fazer o "trabalho perigoso, como a mineração", mas ainda "respeitar a autonomia humana."
2.    A inteligência artificial deve ser transparente: "Nós não queremos apenas máquinas inteligentes, mas máquinas inteligíveis", diz Nadella. "As pessoas devem ter uma compreensão de como a tecnologia vê e analisa o mundo."
3.    A inteligência artificial deve maximizar as eficiências sem destruir a dignidade das pessoas: "Nós precisamos ampliar, aprofundar e diversificar o envolvimento da população na concepção destes sistemas. A indústria de tecnologia não deve ditar os valores e virtudes deste futuro."
4.    A inteligência artificial deve ser projetada pensando na privacidade: Nadella pede "proteções sofisticadas de informações pessoais e de grupos."
5.    A inteligência artificial deve ter responsabilidade algorítmica: os seres humanos devem ser capazes de desfazer qualquer dano não intencional no sistema. 
6.    A inteligência artificial deve se proteger contra viés: os desenvolvedores devem se certificar de que a inteligência artificial não será usada para discriminar as pessoas. 

O executivo ainda questiona se a automação não irá prejudicar a economia, com as pessoas perdendo seus empregos para os robôs, e sugere uma necessidade urgente de se discutir isso com a comunidade.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Mediação, solução ao alcance de todos



A porta da Justiça se ampliou, mas falta alargar o corredor
Por Marcelo Pinto









Embora a mediação tenha provado, nas últimas duas décadas, que pode ser aplicada com êxito mesmo sem estar regulada por lei, um marco legal abrirá um precedente positivo para o setor. A avaliação é da consultora e pesquisadora em mediação de conflitos Tania Almeida. A aprovação do Projeto de Lei 7169/14 (Lei da Mediação) na Câmara dos Deputados, acredita ela, dará mais legitimidade a esse meio extrajudicial que investe na construção de consenso, por meio do diálogo mediado por um terceiro. O projeto, caso seja aprovado pelos deputados sem nenhuma alteração, seguirá direto para sanção presidencial.

“A lei cria cultura, vai capilarizar a informação para o território nacional. Antes, só contávamos com a negociação direta e a resolução judicial. E assim, passamos a judicializar as questões do cotidiano sempre que o diálogo direto não se mostrou efetivo”, observa Tania, em entrevista concedida à revista eletrônica Consultor Jurídico, na sede do Mediare, empresa fundada por ela, em 1997, e que oferece cursos de capacitação para diversos profissionais — a maioria deles, hoje, advogados.

De acordo com cartilha publicada pela seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, mediação “é um método autocompositivo de resolução de conflitos que, por meio do trabalho habilidoso e ético de um terceiro imparcial, chamado de mediador, facilita o diálogo entre as pessoas em conflito, estimulando-as a encontrarem soluções de benefício e satisfação mútuos, que sejam sustentáveis no tempo”.

Ainda segundo a cartilha, assinada pela Comissão de Mediação da OAB-RJ — da qual Tania faz parte —, mediação é diferente de conciliação, cujo objetivo é “unicamente se alcançar um acordo baseado em argumentos jurídicos”. Já na mediação “busca-se construir consenso com o outro participante, e não convencer o terceiro [mediador] de quem estaria com a razão”.

O mediador é um profissional com formação específica (em mediação) e multidisciplinar. Atuam na função advogados, psicólogos, médicos, sociólogos, filósofos e, sobretudo, especialistas em comunicação e negociação. Tania Almeida conta que uma pesquisa nos EUA mostrou que 80% dos processos judiciais poderiam prescindir do olhar jurídico.

Além de representar uma alternativa mais rápida do que a via judicial, a mediação pode ficar também mais em conta. A cartilha da OAB recomenda “que os honorários sejam partilhados entre todos os envolvidos e que não sejam diretamente vinculados ao montante eventualmente fixado em um acordo”. Ensina ainda que “mediadores privados geralmente cobram por hora de trabalho ou um montante fixo por toda a mediação”.

Tania Almeida é uma das principais porta-vozes da mediação no país. Graduada em medicina, especializou-se em neurologia e atuou como neuropsiquiatra de crianças e adolescentes. Em pouco tempo, enveredou pela psicanálise, pois, como diz, preferia “conversar a medicar”. Passou a trabalhar com as famílias daqueles jovens. A experiência em terapia familiar, na qual se especializou, a levou a atender casos de divórcio. Até que Tania assistiu, em 1992, a um seminário sobre mediação, apresentado no Rio por um casal norte-americano que utilizava esse método de resolução de conflito para questões famíliares. Foi uma consequência natural incorporar as ferramentas da mediação em seu trabalho, especialmente nos casos litigiosos.

Hoje, Tania é mestre em Mediação de Conflitos pelo Institut Universitaire Kurt Bösh, da Suíça, e pós-graduada em sociologia e gestão empresarial. É consultora do Projeto América Latina do setor de Mediação do Banco Mundial e integra a International Academy for Collaborative Practices. Além de coordenar as aulas do Mediare, é professora na pós-graduação de Direito da FGV. Há alguns anos, passou a capacitar juízes e servidores de diferentes Tribunais de Justiça do país. Também atua como voluntária, no Núcleo do Fórum da Barra da Tijuca do TJ do Rio, mediando casos encaminhados por um Juizado Especial Criminal (Jecrim) e duas Varas de Família.

Recentemente, foi convocada para integrar a Comissão de Especialistas da Secretaria da Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, responsável pelo texto-base do PL 7169/14. Antes, foi uma das organizadoras do Curso de Mediação e Resolução Pacífica de Conflitos em Segurança Cidadã, projeto piloto coordenado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Toda essa experiência acaba de ganhar as páginas de um livro. Mistura de guia prático e obra de consulta acadêmica, Caixa de ferramentas em Mediação – aportes práticos e teóricos (Dash Editora) é dirigido a mediadores profissionais e amadores.

Na obra, Tania apresenta as situações mais comuns enfrentadas pela mediação, assim como seus objetivos. Ela assegura que a mediação é o melhor instrumento para relações continuadas no tempo, como família, vizinhança, contratos e relação de trabalho. “Como não há perdedor nem vencedor, e o consenso está pautado no benefício mútuo, os diálogos futuros ficam favorecidos, podendo até prescindir de terceiros neutros”, diz.

Leia a entrevista:
ConJur — Quais as ferramentas mais importantes para um mediador? Tania Almeida — A escuta é a principal delas, e junto com ela, a empatia. É uma escuta diferenciada, porque é preciso ouvir aquilo que as partes não estão ouvindo. Elas estão imersas em emoção, o que é natural em uma situação de desentendimento. Além disso, a neurociência demonstra que nossa percepção só apreende 5% do que está no ambiente, do que vivemos e ouvimos. Quando se está emocionalmente envolvido, o nível de percepção e a seleção da escuta ficam ainda mais reduzidos. O mediador é então aquele que pode ter uma qualidade de escuta melhor quanto ao que a narrativa dos envolvidos está aportando. É o que chamamos escuta empática, uma vez que admite como legítimas as diferentes versões apresentadas. Quem está envolvido em um desentendimento seleciona da fala do outro aquilo que a emoção permite, ou seja, sua escuta não terá o mesmo grau de empatia que a de um terceiro neutro.

ConJur — Qual o desafio a partir daí? Tania Almeida — Depois da escuta e do acolhimento, o desafio é trazer à mesa, de forma resumida, todas as informações úteis que as próprias partes não puderam apreender.

ConJur — Como a senhora avalia a mediação feita hoje no Brasil? Tania Almeida — Estamos em um momento de busca de informação — os programas de capacitação e a inclusão nos currículos de graduação se multiplicam. Antes, frente ao desconhecimento do instituto, eram essenciais sua divulgação e a diferenciação entre mediação e conciliação. Agora, é preciso oferecer uma prática de qualidade.

ConJur — Qual era a maior dificuldade? Tania Almeida — Como a conciliação já existia em nosso cenário de resolução de controvérsias, e como muitos advogados já trabalhavam com um viés pacificador na resolução dos conflitos dos seus clientes, a tendência era dizer “ah, mas isso nós já fazemos”. Houve um trabalho árduo para estabelecer essa diferenciação. Hoje, embora as diferenças entre os dois instrumentos estejam mais claras, alguns ainda não fazem uma nítida distinção.

ConJur — A mediação entrou recentemente na universidade. Isso ajuda? Tania Almeida — Sim. Começamos a ter a mediação como cadeira eletiva nas graduações e nas grades de pós-graduações de Direito. Há cursos e seminários ocorrendo simultaneamente em boa parte do país. Muitos tribunais de Justiça, hoje, têm programas de implementação da mediação.

ConJur — A Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça teve influência nessa mudança? Tania Almeida — Essa resolução é um marco em nossa cultura porque pensa a mediação como política pública, sugere que todos os juízos tenham um núcleo que ofereça mediação e conciliação. A Resolução 125 do CNJ foi muito apropriada, porque tirou a mediação do pacote dos métodos alternativos e tratou todos os meios de resolução de controvérsias pelo princípio da adequação. Isso foi muito bem-vindo, porque a Resolução optou por falar em métodos adequados de resolução de controvérsia, propondo que tenhamos todos esses instrumentos – conciliação, mediação, arbitragem e resolução judicial – em um painel de possibilidades para os casos que acorrem ao Judiciário. Por isso, é importante que os advogados, e também os profissionais de saúde – por vezes, os primeiros a atuarem nos conflitos –, conheçam esse painel, para que possam indicar o melhor instrumento aos seus clientes.

ConJur — O acesso à Justiça ampliou muito nos últimos anos, mas a demanda segue desafiando a capacidade do Poder Judiciário. Segundo o CNJ, em 2013 os juízes decidiram sobre 17,8 milhões de ações. Mas a quantidade de processos que passou a tramitar foi de 19,4 milhões. Tania Almeida — Os Juizados Especiais e a Defensoria Pública são instituições que permitem a qualquer cidadão dizer: “eu quero ouvir a Justiça sobre o meu caso”. Mas o movimento que tanto ampliou essa porta de acesso à justiça, não criou internamente um corredor tão largo para o fluxo dos casos. O que acontece? Afunilamento. Quando se começa a trabalhar com diferentes métodos, tem-se a possibilidade de derivar as situações para o meio adequado, ajudando a desafogar esse fluxo. Os americanos usam a expressão “multi-door court house”, que significa trabalhar com um sistema multiportas de resolução de conflitos e encaminhá-los para a porta adequada.

ConJur — Como a senhora chegou à mediação? Tania Almeida — Eu me formei como neurologista com a intenção de atuar como neuropsiquiatra infanto-juvenil. No exercício da clínica, percebi que preferia conversar a medicar, voltando-me, então, à psicanálise de crianças e adolescentes. Assim poderia permanecer na área de saúde, como interlocutora dos meus clientes e de seus pais. Logo percebi que era também necessário trabalhar com aquelas famílias e, após uma formação complementar, agreguei à minha atuação a terapia de família. Com essa expertise, passei a privilegiar os divórcios com filhos como objeto de trabalho. Em 1992 houve um seminário sobre mediação, no Rio de Janeiro, com um casal norte-americano, na área de família. Me encantei pelo tema, porque acrescentava ferramentas extremamente úteis para trabalhar com os divórcios, especialmente os litigiosos.

ConJur — Nessa época, falava-se de mediação no Brasil? Tania Almeida — Não. Na verdade, a mediação é milenar. A utilização de um terceiro neutro como interlocutor está presente em algumas religiões e nas desavenças do cotidiano. Já a mediação que conhecemos hoje, como um processo estruturado de negociação, teve início nos EUA, na década de 1980. Na época do seminário do Rio, os argentinos importavam docentes americanos em mediação, preparando-se para colocar em prática um projeto piloto que daria sustentação à Lei de Mediação de Buenos Aires, de 1995.

ConJur — Como é a capacitação para se tornar um mediador? Tania Almeida — Não há no Brasil uma regulação específica no tema. Quem primeiro tratou da questão foi o Conima (Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem), que existe desde 1997. Depois o Foname (Fórum Nacional de Mediação) e o CNJ, por meio da Resolução 125 de 2010. Essas três instituições oferecem conteúdo programático multidisciplinar e carga horária para a capacitação. Conima e Foname são instituições parceiras e guardam semelhanças na oferta programática, solicitando um mínimo de 100 horas de treinamento, tanto para a teoria como para a prática de casos reais com supervisão. O CNJ solicita uma carga horária menor, o que se justifica pela proposta voltada à política pública, em um programa que possa ser posto em exercício nos diferentes estados e no interior do país.

ConJur — O avanço da mediação pode representar uma redução de mercado para os advogados? Tania Almeida — Acredito que não. Na realidade, o advogado passa a ter no seu portfólio mais esse serviço para oferecer ao seu cliente. Ele pode atuar como mediador e como advogado de partes em mediação. Vale lembrar que os conflitos são multifatoriais e que nem sempre têm uma parcela legal — há também a parcela social, emocional, financeira, dentre outras. Sempre que houver um viés legal, os mediadores precisarão alertar as partes sobre a necessidade do acompanhamento de um advogado, ou, no mínimo, sobre a necessidade da revisão legal do acordo, visto que precisa ser exequível. Advogados são indispensáveis sempre que a matéria exigir homologação. O mediador cuida da margem ética e o advogado da margem legal do acordo; nenhuma delas pode ser transposta.

ConJur — Entre os mediadores, qual o perfil profissional que está predominando? Tania Almeida — Como eu sou da área de saúde, as turmas iniciais do Mediare [empresa criada por ela em 1997, que oferece cursos de capacitação em mediação] reuniam mais psicólogos do que advogados. Depois esse número se inverteu. Mas as turmas abrigam, cada vez mais, profissionais de diferentes áreas.

ConJur — Como funciona hoje o sistema Multiportas na Justiça brasileira? Tania Almeida — Há Núcleos já funcionando, mas não tenho notícias sobre sistemas de triagem. Quando atuo como voluntária no Núcleo do Fórum da Barra da Tijuca [zona oeste do Rio de Janeiro], recebo casos encaminhados pelos juízes.

ConJur — Qual a proporção entre casos encaminhados para a mediação pelos tribunais e por outras vias? Tania Almeida — O número de casos indicados pelo tribunal é maior, porque fora da Justiça há carência de informação que possibilite uma procura espontânea. Os encaminhamentos privados são feitos, especialmente, por advogados e terapeutas.

ConJur — Como é feito esse encaminhamento? Tania Almeida — Muitos juízes que conhecem a mediação fazem a derivação para o núcleo de atendimento do Tribunal. Por vezes os advogados sugerem ao juiz o encaminhamento para mediação extrajudicial ou judicial. Há sempre uma entrevista anterior, a pré-mediação, pautada na troca de informações, para identificar a adesão das partes e dos advogados à mediação, uma vez que está assentada no princípio da autonomia da vontade. Explicamos o processo, — os benefícios, alcances e limites, o papel do mediador, e a necessidade de uma postura colaborativa e não adversarial — e as pessoas ratificam se querem ou não adotar a mediação.

ConJur — É possível estimar os percentuais de adesão e de resultado? Tania Almeida — Como tudo é muito recente, não há estatísticas oficiais. Quem passa por mediação no Judiciário preenche uma ficha de avaliação que identifica o resultado — acordos parciais, totais ou ausência de acordo —, assim como o grau de satisfação do usuário. Posso dizer que tanto o percentual de adesão quanto o de acordos são superiores a 70%. Vale ressaltar que, mesmo na ausência de acordos, podemos ter a melhora do relacionamento, contribuindo para o consenso fora da mesa de mediação. Já aconteceu de as partes chegaram com um acordo pronto na audiência, após o término de uma mediação sem acordo. Ou seja, a mediação não trabalha apenas para construir consenso, mas para preservar a relação social e o diálogo entre as pessoas. Por isso trabalhamos com pesquisa quantitativa e qualitativa.

ConJur — A mediação também tem um caráter preventivo? Tania Almeida — Exatamente. Por isso, é pensada como o melhor instrumento para relações continuadas no tempo, como família, vizinhança, contratos e relação de trabalho. Como não há perdedor nem vencedor, e o consenso está pautado no benefício mútuo, os diálogos futuros ficam favorecidos, podendo até prescindir de terceiros neutros. Ou, se buscarem terceiros, será para ajudar na autocomposição [quando as partes são autoras da solução], e não na heterocomposição [quando a decisão é dada por um terceiro, seja juiz ou árbitro]. Em uma relação continuada no tempo, quando há ganhador e perdedor, os diálogos futuros ficam muito comprometidos.

ConJur — A senhora participou do grupo de trabalho que elaborou o conteúdo do Projeto de Lei da Mediação (PL 7.169/14). O resultado foi satisfatórioa? Tania Almeida — O texto produzido pela Comissão da Secretaria da Reforma do Judiciário não é o mesmo que está na Câmara, pois já passou por modificações, mas o resultado final é muito satisfatório. No Marco Legal, aconteceu um movimento maravilhoso. A condução das conversas feita pelo dr. Flávio Caetano, Secretário da Reforma do Judiciário, esteve pautada na construção de consenso, não tendo sido necessário colocar nenhum tema em votação.

ConJur — Em que aspectos da mediação será possível delimitar um “antes” e “depois” do marco legal? Tania Almeida — Para ter mediação, não é preciso haver lei. Tanto que já é praticada há alguns anos. Acho, no entanto, que para a nossa cultura a legitimação pela lei faz muita diferença. Nesse sentido será muito positivo.

ConJur — A lei pode ajudar a difundir a mediação no país? Tania Almeida — A lei cria cultura. Haverá uma prática muito maior da mediação após o advento da lei, porque hoje são poucos que têm acesso a essa informação. A lei vai capilarizar a informação para o território nacional. Antes, só contávamos com a negociação direta e a resolução judicial. E assim, passamos a judicializar as questões do cotidiano sempre que o diálogo direto não se mostrou efetivo. De acordo com uma pesquisa norte-americana, 80% dos processos judiciais poderiam prescindir do olhar jurídico. Não é preciso contar com um saber específico e qualificado para resolver a grande maioria das situações do cotidiano. Quando se passa a ter mais métodos de resolução de controvérsias, pode-se adequar o instrumento à situação concreta. Com isso, evitamos judicializar questões nas quais o diálogo ainda pode ser efetivo, mesmo que seja um diálogo assistido por um mediador.

ConJur — Quem mais procura a mediação? Tania Almeida — A experiência mundial revela que a mediação entra nas culturas por meio dos conflitos familiares e comunitários. Há hoje no país um número imenso de mediadores comunitários, pessoas com pouca ou nenhuma instrução formal que ajudam seus pares a dirimir seus conflitos. Também o mundo corporativo vem identificando benefícios no uso da mediação para as questões internas e para as interfaces externas das empresas. Hoje, já existe um número enorme de mediadores dedicados às práticas restaurativas no âmbito penal e alguns Juizados Especiais Criminais são exemplo disso. Há países como Austrália e Nova Zelândia, que trabalham com a mediação como o primeiro instrumento para lidar com menores em conflito com a lei. Percebo que o Brasil está indo na mesma direção adotada por outras culturas, ampliando o espectro de atuação desse instituto.

ConJur — A mediação pode reduzir a violência doméstica? Tania Almeida — Quem passa pela mediação tende a aprimorar suas habilidades para o diálogo. A redução da violência doméstica pode ser uma consequência natural. Mas prefiro não adotar um pensamento linear, no sentido de que a mediação é boa porque, por exemplo, irá desafogar o Judiciário, pois vejo esse possível resultado como consequência e não como objetivo do instituto. O Judiciário está recebendo causas que não precisariam ser judicializadas. A partir do momento em que a mediação estiver disponível, esses processos tenderão a diminuir, porque foram drenados para a porta adequada.

Fonte: Conjur